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MENSTRUAÇÃO EM CENA: DO TABU AO EMPODERAMENTO

Mulheres sofrem diariamente com estigmas acerca da menstruação. Entenda porque quebrar este tabu garante dignidade para a mulher

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 Por Tifany Kimura

Para algumas pessoas a menstruação significa saúde e renovação, para outras é sinônimo de dores, falta de higiene, nojo, sujeira, entre outros termos, visto que ainda é um tabu na sociedade construído ao longo de muitos anos. “A menstruação não é aceita como algo esperado ou bem-vindo, ou seja, ela é rechaçada. Existe uma ideia errônea de que a menstruação é suja, algo impróprio, ruim e incômodo, mas isso não é verdade e precisa ser ressignificado”, explica a naturóloga, fitoterapeuta e arteterapeuta Ana Carolina Arruda, 33 anos. “A menstruação é um momento fisiológico natural da mulher muito importante”, diz Ana.

A cena do livro “Carrie, a estranha”, de Stephen King, tornou-se famosa e a história passou por duas adaptações de filmes, em 1976 e em 2013. Na trama, a protagonista recebe uma educação rigorosa desde a infância, em razão de sua mãe ser extremamente religiosa. Como consequência, a menina cresce isolada do acesso à informação sobre sua própria saúde e corpo. Mas o desconhecimento e apreensões relacionadas à menstruação não são exclusivos da ficção.

Cena do filme “Carrie, a estranha” , 1976 - Reprodução

 

Foi o caso da participação de Gabi Martins em uma prova de resistência pelo programa Big Brother Brasil (BBB20). Ela contou aos colegas que estava usando um absorvente interno para conter a urina, e os companheiros da casa logo afirmaram que não é possível, visto que o canal da uretra e o canal vaginal são diferentes. “As informações não chegam da maneira como deveriam para as meninas. Isso está relacionado com a educação sexual que a criança recebe”, explica a psicóloga em saúde mental, Vanessa Mendes, 28 anos, sobre a importância das mulheres receberem orientação sexual desde cedo. 

 

Deveria ser normal, mas olham com nojo

Enquanto de um lado existe a falta de informação ou o não conhecimento, do outro, encontramos mulheres que não tem condições de adquirir um absorvente descartável como é o caso da África do Sul. De acordo com um estudo desenvolvido pela Sempre Livre  em parceria com a KYRA Pesquisa e Consultoria, mais da metade das 1.500 mulheres entrevistadas, entre 14 a 24 anos, mudam seus hábitos durante a menstruação.
 

Segundo informações do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), estima-se que 131 milhões de meninas no mundo estão fora da escola e, no Brasil, 1 em cada 10 deixa de ir para escola e/ou trabalhar. “É comum sentir vergonha. Você está ali vazando, transbordando sangue de uma parte íntima que você foi ensinada a esconder, fechar as perninhas porque precisa ser mocinha, algo que é passado socialmente. É necessário que a gente demonstre para a menina que esse é um processo natural da fisiologia feminina”, explica a psicóloga. 

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Absorventes

 

Assim como o relacionamento da mulher com a menstruação mudou, os absorventes também evoluíram. Hoje encontramos diversas opções de absorventes no mercado como os externos e internos que são descartáveis, e os absorventes sustentáveis como os coletores menstruais e as calcinhas absorventes que ainda são nicho. Para a professora do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper) e da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (FECAP), Juliana Inhasz, 41 anos, afirma que essa diferença está associada a falta de informação da consumidora sobre as alternativas e, quanto mais a mulher se inserir no mercado de trabalho, mais o mercado de absorventes e produtos de higiene feminina tende a ganhar consumidoras. “Precisamos recuperar a renda e ter mais produtividade dentro desse setor, para que os custos também sejam menores e o mercado consumidor não seja inibido.”

 

Apesar disso, existem muitos aplicativos que auxiliam as mulheres mapearem o ciclo menstrual, mas acabam terceirizando a saúde da mulher, observa Ana Arruda. As tecnologias manuais como os diários menstruais, os diagramas lunares e as mandalas menstruais são ideias para ter um controle maior, e a mulher aprende a desidentificar e entende que faz parte de um acontecimento natural, perante as mudanças físicas e emocionais que ocorrem nesse período. É importante destacar que a menstruação deve ser comemorada e não demonizada, confessa Ana Arruda. 

Pobreza Menstrual

 

Por Stephanie Fazio

 

O miolo do pão é guardado e amassado para que fique no formato de um absorvente interno, em alguns casos, o jornal, papel e papelão também ajudam a conter o fluxo, mesmo causando infecções e riscos à saúde. O improviso é a realidade da maioria das mulheres de baixa renda que sofrem a cada ciclo por não terem acesso aos absorventes. Segundo pesquisa da marca Sempre Livre com mais de 9 mil participantes, 19% das mulheres entre 18 e 25 anos não têm acesso aos produtos no Brasil por não terem dinheiro.

 

A dignidade humana é um princípio base, prevista no artigo 1º inciso III da Constituição Federal, mesmo assim, parece não existir para as presidiárias que têm que improvisar para se manterem estáveis no cárcere. 

 

Em entrevista realizada pelo portal Terra, Mariana Queiroz, conhecida como Nana Queiroz,  jornalista e autora do livro Presos que Menstruam, explica que: “algumas prisões oferecem um pacote pequeno de absorventes para o ciclo menstrual, mas, conforme muitas detentas relataram, eles não são suficientes para aquelas com fluxo maior.” Ainda segundo a matéria, os itens de higiene pessoal em algumas prisões são de responsabilidade da própria detenta, ou seja, ela depende que seus familiares tragam os produtos durante as visitas. 

 

Porém, conforme informação concedida a nossa equipe pela Secretaria da Administração Penitenciária (SAP), são fornecidos para todas as presas custodiadas pela pasta o “kit higiene”, composto por sabonete, creme dental, escova dental, papel higiênico e absorventes.

 

O termo pobreza menstrual, ou seja, falta de recursos financeiros para comprar os produtos de higiene ligados ao ciclo, foi criado na França e atinge vários países, como a Índia, onde 113 milhões têm chances de abandonar os estudos por causa da menstruação, no país somente metade das escolas de ensino médio possuem banheiros, agravando ainda mais a situação. 

 

Claudia Pedroso, ginecologista e obstetra, de 48 anos, explica que o ciclo menstrual acontece de 25 a 35 dias em mulheres que não usam nenhum método contraceptivo hormonal e que não tenham nenhuma alteração hormonal. Neste período, a mulher fica sangrando entre 5 a 10 dias, por exemplo, no qual ela precisa ter uma higiene maior, para prevenir possíveis infecções.

Quanto custa um absorvente?

 

No Brasil, um único item custa em torno de 50 centavos. Segundo dados do Impostômetro, as taxações sobre os absorventes vendidos no país correspondem a a cerca de 35% do valor do produto. Essas taxações são federais e estaduais, podendo variar conforme a região. 

 

Conforme dados do  IBPT e Procon-SP/Diees, o imposto sobre absorventes é cobrado de mulheres, em média, dos 12 aos 51 anos de vida. Supondo valores médios de um ciclo menstrual de 28 dias, com a menstruação durando cinco dias e com o uso de quatro absorventes por dia, o total de imposto que cada cidadã paga ao governo durante a vida irá variar de R$ 852 a R$ 4.849,00, dependendo do preço e modelo do produto. 

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Alguns países extinguiram a taxação sobre o produto, entre eles: Canadá, Índia, Grã-Bretanha, Irlanda, Espanha, Holanda e o estado de Nova Iorque (EUA), de acordo com os portais BBC News e EL PAÍS. O Quênia, Malásia e Austrália também entraram para a lista de isentos, conforme a Revista Cláudia. Já na França, o imposto foi reduzido de 20% a 5,5% do valor do produto, segundo o jornal The Guardian.

Ação Social

 

O Estado ainda é muito inerte, é uma cultura punitivista, vingativa. Eu acho que falta muito em termos culturais, em distribuição de renda, além de uma preocupação das autoridade” - Juliana Garcia.

 

O ano era 2018, quando a vontade de ajudar presidiárias virou realidade. Foram 9 mil unidades de absorventes arrecadados por oito mulheres. Elas contrataram um transporte para levar os produtos até a penitenciária feminina de Santana, zona norte da capital paulista, mas, o que nenhuma delas esperava era o tratamento que receberiam em nome da burocracia.

 

Juliana Garcia, de 26 anos, Mariana Garcia, de 15 anos, Claudia Garcia, de 54 anos, Rachel Grasseschi, de 24 anos, Renata Pereira, de 43 anos,  Vitória Drumond, de 18 anos, Jaqueline Parisoto, de 37 anos, e Thainara Parisoto, de 26 anos, criaram o projeto “Nós Mulheres”, que arrecada e distribui absorventes e outros itens de higiene uma vez por ano para presidiárias do estado de São Paulo. A motivação da campanha veio de dois livros lidos por Juliana Garcia, advogada e co-fundadora do projeto, são eles: Cadeia, da Débora Diniz, e Presos que Menstruam, da Nana Queiroz, além de notícias da Pastoral Carcerária e de algumas poucas que saíram na mídia.

 

Mesmo tendo entrado em contato com a penitenciária feminina de Santana antes, Juliana relata que a burocracia não permitiu que os absorventes entrassem na prisão. “Foi conturbado, porque eles acharam que as meninas estavam vinculadas a algum partido político e que tinha alguma ação por trás. Afinal, quem ajuda mulheres encarceradas? Por que estão fazendo isso do nada? [questionou um policial], foi um caos”. 

 

O transporte teve que voltar, mas naquele dia alguém do presídio ajudou e ligou para a coordenadora da Pastoral Carcerária, entidade católica da região de Santana, pedindo que entrasse em contato com Juliana. Foi aí que a pastoral ficou responsável por entregar as doações. A ajuda salvou o projeto, pois a pastoral está autorizada a entrar no presídio, tendo em vista que todo o preso tem direito à assistência religiosa. Além disso, a responsável sabe qual é o presídio que mais necessita e divide a quantidade que vai para cada um. É por conta desse tipo de dificuldades que a campanha não será expandida para outros estados. 

 

“O Estado ainda é muito inerte, é uma cultura punitivista, vingativa. Eu acho que falta muito em termos culturais, em distribuição de renda, além de uma preocupação das autoridades”, reflete Juliana. Para ela, as pessoas também devem se conscientizar e procurar ajudar as presidiárias, ao invés de esperar por atitudes do governo.

 

Em 2019, foram doados 60 mil absorventes em pontos de coleta nas ruas, após uma integrante do grupo participar do programa Altas Horas, da rede Globo, e divulgar nacionalmente a ação, todos os itens foram distribuídos entre seis presídios de São Paulo (SP). A partir daí, foi criada também a vaquinha virtual, que passou a ser o único meio de contribuição durante a pandemia da Covid-19. Neste ano, foram doadas mais de 23 mil unidades de absorventes, segundo a página do Instagram da campanha.

Graças a uma iniciativa conjunta entre Gabriela Prioli, apresentadora da CNN e mestre em Direito Penal, com a marca Pantys e o Nós Mulheres, duas penitenciárias femininas de São Paulo receberão 1.378 calcinhas absorventes, segundo matéria divulgada pelo portal Marie Claire em 24 de setembro de 2020.

A Penitenciária Feminina da Capital, que tem 480 detentas, é uma das unidades beneficiadas. A outra é a CPP Franco da Rocha, que conta com 898 presas. A distribuição nos presídios ficará por conta da Pastoral Carcerária de Santana (SP), conforme informações do site Socialismo Criativo.

“A ação devolverá a parcela de dignidade retirada ilegalmente de parte dessas mulheres”, afirmou Gabriela em comunicado, ainda conforme o portal.

Projetos de lei

 

As mulheres de baixa renda precisam ser ajudadas, não só com o absorvente e com a orientação de como devem usá-lo, mas também como educação de higiene mesmo. A política tem que ser informativa, tem que ser educativa” - Claudia Pedroso.

Para quem não tem condição de adquirir os produtos de higiene, a solução, às vezes, acaba sendo faltar às aulas, prejudicando assim o desempenho acadêmico. Segundo matéria publicada no site O Globo, estima-se que meninas chegam a perder 45 dias de aula a cada ano letivo por falta de acesso a absorventes íntimos.

Segundo o portal UOL, há um projeto que ainda está tramitando, o  1177/2019 - Menstruação sem Tabu, apresentado em outubro de 2019 na Assembleia Legislativa de São Paulo foi assinado por Janaina Paschoal (PSL), Leci Brandão (PcdoB), Beth Sahão (PT), Edna Macedo (Republicanos) e pela Delegada Graciela (PL). De acordo com o texto, a iniciativa visa distribuir o produto, além de conscientizar acerca da saúde da mulher e dos cuidados básicos que devem acompanhar a menstruação.

“As mulheres de baixa renda precisam ser ajudadas, não só com o absorvente e com a orientação de como devem usá-lo, mas também como educação de higiene mesmo. A política tem que ser informativa, tem que ser educativa. É importante que se dê o material, mas é importante também que faça uma educação em relação à saúde feminina”, reflete a Dra. Claudia Pedroso. Na opinião da ginecologista, muitas pessoas ainda encontram dificuldade em falar sobre menstruação e a dor causada, e isso acaba limitando a educação de outras mulheres sobre o assunto. 

 

Por mais incrível que pareça, ainda é visto [o absorvente] como algo da elite” - Janaina Paschoal.

Se o projeto for aprovado, o absorvente será incluído nas cestas básicas no estado de São Paulo e distribuído nas escolas estaduais, em unidades de internação para jovens infratoras, às adolescentes sob regime de semiliberdade ou de internação, em presídios, abrigos e para mulheres em situação de rua, ainda de acordo com o portal UOL.

A deputada estadual e jurista Janaina Paschoal (PSL), de 45 anos, conta que a ideia da proposta partiu de uma ex- orientanda de mestrado na USP, Dra. Bianca Cesário. Ela contatou Janaina e enviou vários textos referentes a meninas que abandonaram os estudos, por medo de menstruarem durante as aulas sem terem absorventes. “Eu elaborei um projeto que visava distribuir absorventes a estudantes, com o fim de evitar a evasão escolar. Para que fosse algo coletivo, submeti o projeto a presidente da Comissão da Mulher, Deputada Delegada Graciela e ela submeteu à comissão. Depois dos debates, se decidiu fazer algo mais amplo e a redação atual foi de autoria da Deputada Delegada Graciela. Eu fui voto vencido, assinei junto com as colegas, mas meu fim primeiro era evitar a evasão escolar. Temo que a amplitude conferida inviabilize o projeto”, comenta. Ela declara que desconhece uma política pública ampla com esse fim. Há apenas distribuições pontuais, como das pacientes, que recebem nos hospitais enquanto estão internadas, e das presas.

Segundo Janaina, os projetos passam por várias comissões, antes de irem para votação definitiva. Com a Covid-19, a assembleia está concentrando recursos financeiros ao enfrentamento das consequências da pandemia. “Eu acredito que ainda demorará muito para conseguirmos aprovar esse projeto”, argumenta. A ação prevê isenções fiscais para baratear o produto. “Por mais incrível que pareça, ainda é visto [o absorvente] como algo da elite”.

Apresentado em 11 de setembro de 2019, o projeto de lei da deputada federal Marília Arraes, de 36 anos, nº 4968/2019, prevê a distribuição de Absorventes Higiênicos nas escolas públicas que ofertam anos finais do ensino fundamental e médio, segundo o site da Câmara do Deputados, tal como a proposta original de Janaina. 

 

Já em 2 de março de 2020, a deputada federal Tabata Amaral (PDT-SP), de 26 anos, apresentou o projeto de lei 428/2020, que prevê a distribuição gratuita de absorventes higiênicos em locais públicos. A proposta ajudará mulheres de baixa renda e também presidiárias. Tabata estima um custo aproximado de R$ 119 milhões ao ano. O projeto deixa a cargo do governo as decisões de quantidade, tipo de absorventes e locais de distribuição. A proposta dá preferência à escolha de produtos sustentáveis, com isso, diminuindo o impacto ambiental dos absorventes tradicionais.

Sinto(mês)
Coletando Ações
Di(e)scorrendo História

Di(e)scorrendo História

Por Letícia Remonte

Hoje, no Brasil, 49% das meninas entre 18 e 25 anos têm vergonha de usar absorventes e mais de 7 mil mulheres não se sentem confortáveis em falar sobre o assunto, segundo o estudo Menstruation Taboos realizado pela Abril Inteligência, em parceria com a revista Capricho e marcas como Johnson & Johnson e Sempre Livre. A pesquisa teve acesso à opinião de mais de 9 mil brasileiras, que refletem o pensamento de muitas outras, não entrevistadas. 

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As diferentes culturas e religiões dos povos ao redor do mundo foram responsáveis por construir concepções sobre a menstruação que fizeram do assunto um tabu. Entender a relação entre o passado e o presente desse conceito é essencial,  pois a forma como o tema era visto na Antiguidade e na Idade Média traz reflexos até os dias atuais, afetando o sexo feminino não só de forma psicológica e física, mas também intensificando outras ações, como machismo. 

Grécia Antiga: de crenças a festas

A historiadora Helen King, autora de uma tese de doutorado sobre a menstruação na Grécia Antiga, denominada “Hippocrate’s Woman: Reading the Female Body in Ancient Greece” ou em tradução livre “Mulher de Hipócrates: lendo o corpo feminino na Grécia Antiga”, concedeu entrevista ao blog do aplicativo de calendário menstrual Clue, em que diz que a crença do povo grego à época, presente nos livros hipocráticos do século V antes de Cristo, era de que a carne das mulheres era mais esponjosa que a dos homens portanto, absorvia uma grande quantidade de líquidos que se acumulavam por um mês até serem expelidos. Caso não houvesse a eliminação de tais fluídos, acreditava-se que o sangue iria para outros órgãos do corpo, incluindo os vitais, prejudicando a saúde das mulheres.

Para Aristóteles, a comparação do fluxo feminino era com o sacrifício de um animal, dando importância ao período menstrual, já que o sacrifício dos animais era visto como sagrado. Os gregos acreditavam que o ato fazia com que os deuses pudessem se comunicar com os seres humanos. Por muito tempo, as mulheres sangravam em suas próprias roupas, porém, em um determinado momento na Grécia Antiga – o qual historiadores não conseguem definir com precisão – elas começaram a utilizar panos entre as pernas, que eram lavados e reutilizados. Anos depois, o historiador Theodore Mommsen desenvolveu a teoria de que os “rhakoi” - palavra criada após o início da utilização dos mesmos pelas mulheres, significa panos de menstruação em grego – estavam na lista de roupas dedicadas à deusa Artemis. Além disso, eram realizadas festas chamadas Tesmofórias, que consistiam em rituais de purificação femininos: mulheres se isolavam dos homens durante nove dias e comiam alho para repelir o gênero oposto.

Os gregos antigos sabiam apenas que a menstruação tinha algo a ver com a capacidade da mulher engravidar, porém o fato de ela sangrar por vários dias seguidos e não morrer era um mistério” – Maria Regina Domingues de Azevedo, em entrevista ao UOL.

Religiões: Tabus antigos e atuais

Em outros exemplos, além da Grécia Antiga, é possível encontrar informações religiosas sobre a menstruação, como na religião islâmica. No Alcorão, a citação sobre o período menstrual é: “Abstende-vos, pois, das mulheres durante a menstruação e não vos acerqueis delas até que se purifiquem.” (Alcorão 2:22). O tabu é exercido na sociedade muçulmana de forma rígida, as mulheres quando menstruam não podem praticar as cinco orações diárias, tocar no livro sagrado, fazer sexo e, também são proibidas de fazer o jejum no período do Ramadã, praticado no nono mês do calendário islâmico. Essa regra da religião é presente até os dias atuais, tanto que há grupos de jovens denominados “islâmicos liberais” que protestam contra essas ações, argumentando que são critérios obsoletos e excludentes.

A religião católica, na Era das Trevas, exerceu forte influência na forma da sociedade encarar esse ato. Na visão dos fervorosos da época, quando se tomava ciência que a mulher havia menstruado, ela era automaticamente vista como bruxa pela Igreja, a ponto de ser queimada em fogueira pública para “exorcizar a figura do demônio” presente em seu corpo, segundo a pesquisadora Maria Regina Domingues de Azevedo. Hoje em dia, a igreja se posiciona de forma menos radical, pois não há nenhum registro nos documentos que aborde algo relativo a esse tema, entretanto, posicionamentos como ir contra métodos contraceptivos e a visão do corpo como um templo que deve ser resguardado ainda se mantém.

Tribo Paiter Suruí: a menstruação indígena

A tribo Paiter Suruí, que vive nos estados de Rondônia e Mato Grosso, se autodenomina “Paiter”, que significa "gente de verdade, nós mesmos". Porém, antropólogos preferem a nomenclatura “Suruí”, nome da língua falada na tribo, que quer dizer  ¨o rio que desliza¨. Os indígenas da aldeia ganham destaque na mídia por representar o fortalecimento das culturas locais e a autonomia de seu povo. Além desses assuntos, um dos tópicos discutidos no resto do Brasil é o papel das mulheres na menarca na cultura da tribo. 

Alguns costumes que hoje em dia são considerados ultrapassados, ainda acontecem de forma frequente na tribo. Quando as meninas menstruam pela primeira vez, são colocadas em uma oca construída por seus pais e vivem isoladas do resto do povo por seis meses. No período de isolamento, elas devem manter contato apenas com pessoas muito próximas porque, segundo os costumes, elas passam a ser consideradas fofoqueiras. Devem andar apenas olhando para os pés e não podem olhar, nem escondidas, as pessoas que passam por lá, já que a tradição diz que elas podem ficar caolhas. 

Isso ocorre, pois há uma lenda que conta o caso de uma índia, que durante o retiro menstrual, ao ficar olhando a movimentação externa, foi seduzida por um “homem-anta”, que a cegou. Em tempos dos antepassados da tribo Paiter, mulheres grávidas também viviam essa reclusão, durante os meses de gestação.  Outras curiosidades da menstruação na tribo dos Suruí são: durante esses seis meses, as mulheres não podem nem ingerir, nem tomar banho de água gelada. Na cultura, acredita-se que isso pode causar reumatismo.

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Paiter Suruí - Reprodução: Thainá Rodrigues

 

Quebrando paradigmas: a importância da Lua 

A quebra do tabu passa por épocas de grande militância mundial, como a década de 1960. Movimentos feministas contemporâneos nos Estados Unidos, inspirados por ações similares no período da Revolução Francesa, foram os precursores da luta em busca da desmistificação da menstruação, alegando que a forma como o tema é tratado é baseado em machismo e misoginia. A partir daí, milhares de mulheres se identificaram e buscaram estabelecer uma relação nova com a menstruação: vem à tona o ritual chamado “Plantar a Lua”.

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Plantando a Lua - Reprodução: Thainá Rodrigues

 

O ritual de Plantar a Lua é visto pelas adeptas à prática como forma de resistência do corpo feminino como realmente é, além de uma maneira de enfrentar o preconceito que envolve o tema. De acordo com mulheres que aderiram ao mesmo, a feminilidade é vista pelos homens de forma fantasiosa e a aceitação do ciclo menstrual com suas dores e odores faz parte da feminilidade real.

Essa rotina menstrual consiste na coleta do sangue expelido no período de ciclo, o qual depois é utilizado como fertilização de plantas, de acordo com a fase da Lua em que a mulher se sente mais conectada.  Nesse momento há uma troca entre o corpo feminino e a natureza, além de gratidão pela característica feminina de gerar vidas. Luiza Seixas, 22 anos, é atriz e conta o porquê decidiu plantar sua Lua: “Seguimos este preceito por entendermos a menstruação como um preparo para a geração de novas vidas. Como o ciclo é mensal e as mulheres não engravidam em todos eles, acreditamos na força dos nutrientes que o sangue de menstruação contém para ajudar plantas a nascerem e crescerem.” 

Ela relata que descobriu como plantar a Lua há dois anos, depois que saiu da casa dos pais. Nesse mesmo período, parou de tomar anticoncepcionais e começou a utilizar o coletor menstrual, mas seus ciclos menstruais eram ruins: “minha menstruação sempre foi desregulada e minhas TPMs complicadas, tomava o anticoncepcional injetável e quando descobri que poderia me fazer mal, parei. Depois de pesquisar muito, descobri a mandala lunar e foi um lugar de encontro com meu corpo e espírito”, diz.

Segundo seu depoimento, seguir esse método a fez conhecer melhor seu corpo e entender como ele funciona. Além da relação com a natureza, que é a base desse conceito, Luiza também começou a praticar yoga e desenvolver sua espiritualidade. “Toda vez que planto minha lua, acendo velas e tento fazer uma saudação à Lua, com as janelas abertas. Minha menstruação sempre vem na lua cheia e, hoje sei que a Lua minguante é o momento em que fico mais introspectiva.”

Luiza Seixas - Reprodução: arquivo pessoal

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A menstruação segundo quatro mulheres

Por Ester Santana 

 

A menarca, como é chamada a primeira menstruação nas mulheres, marca a transformação da infância para a vida adulta. Apesar dos processos que ocorrem no corpo e na mente serem diferentes para cada mulher, existem algumas semelhanças que aproximam todas elas. A reportagem conversou com quatro mulheres sobre o assunto, buscando conhecer suas experiências e os diferentes pontos de vista acerca da menstruação.  

 

Pessoas com útero não menstruam por opção” - Bárbara Miranda.

 

A estudante e agente de atendimento Bárbara Miranda, de 20 anos, menstruou pela primeira vez aos 14 anos. “Sempre vi a menstruação como algo ruim por causa da experiência da minha irmã, que passou pela menstruação sofrendo”, compartilha. “Já havia conversado algumas vezes com minha mãe, mas as dores de cólica frequentes experimentadas pela minha irmã mais velha foram responsáveis por moldar minha visão inicial sobre o período”. 

 

Bárbara, que foi a última de suas amigas a menstruar, passou a ir para a escola com o casaco amarrado na cintura e não deixava ninguém saber quando estava “naqueles dias”. “Cheguei ao nível de não ir ao banheiro da escola. Era uma coisa tão ruim para mim, que eu não fazia xixi”, diz. Já formada no ensino médio, fazendo faculdade e trabalhando, afirma ter mudado sua visão, principalmente, por ter conhecido o coletor menstrual. “Hoje, eu não paro a minha vida por conta da menstruação. Posso fazer coisas que eu nunca podia, como por exemplo, andar de bicicleta”. 

 

Moradora de uma comunidade carente da capital paulista, Jardim São Remo, ela diz perceber as dificuldades de mulheres, mães de família, que dependem de doações para sobreviver e vivem com o básico, às vezes menos do que isso. “Imagina você comprar um pacote de absorvente para cada período menstrual quando se tem quatro ou cinco mulheres que menstruam dentro da mesma família. É muita coisa”, reflete Bárbara ao ser questionada sobre o tema.

 

“Se absorventes fossem distribuídos gratuitamente, muitas mulheres poderiam economizar e investir o dinheiro em outras necessidades, como por exemplo, fazer feira”, pondera Bárbara. Para a ela, a distribuição gratuita dos absorventes, ainda que observados os tipos de públicos e as alternativas sustentáveis, serviria como uma forma de educação e controle da saúde pública. “A gente não menstrua por opção, pessoas com útero não menstruam por opção. Não é como se fosse descer esse mês e no outro não. Só desce”.

 

Naquele tempo tínhamos o modess, mas a gente usava o paninho” - Áurea Gregório.

 

Áurea Gregório, de 62 anos, menstruou pela primeira vez em 1975, aos 17 anos de idade. Foi através de conversas com as colegas que soube o que é menstruar, assunto  tratado como um tabu por muitos no passado. “Eu era meio inexperiente e elas me ensinaram como fazer,” conta entre risos, referindo-se ao uso do paninho. “Não tive cólica nem nada, quando chegava o dia de descer eu já sabia, pois minhas amigas haviam me explicado. Naquele tempo tínhamos o modess, mas a gente usava paninho”.   

 

Filha de pais fechados e com poucos recursos, Áurea continuou fazendo uso das “toalinhas”, nome dado às faixas de tecido utilizadas como absorvente externo, e demorou até contar para mãe que já havia menstruado. “Minha mãe não era muito de conversar essas coisas”, diz dona Áurea. “Ela me disse apenas para não engravidar. Mas eu fiquei grávida rápido, pois não sabia como me proteger”. Hoje, idosa e mãe de duas filhas, acredita que as mulheres precisam saber o que é menstruar e o que ocorre com seus corpos durante esse período, pois só assim conseguirão se prevenir adequadamente. 

 

A menstruação pode ser ressignificada. É só a gente resgatar essa sabedoria, relembrar. É um caminho. É um processo” - Vanessa Pantaleão.

 

A terapeuta intuitiva e escritora Vanessa Pantaleão, de 43 anos, menstruou aos 14 anos de idade. Sentiu nojo ao se deparar com a calcinha suja de sangue pela primeira vez e utilizou pílulas anticoncepcionais por mais de dez anos até que desejou ter seu segundo filho. Foi quando fez as pazes com a própria menstruação. “Eu comecei a despertar para minha cura interior, para o desenvolvimento pessoal, para o autoconhecimento e para espiritualidade”, relembra. 

 

Atualmente, Vanessa atua como terapeuta do intuitivo voltada à cura de feridas emocionais e a reconexão com o ciclo menstrual feminino. Em sua visão, ao enxergarmos o corpo como um templo sagrado, é possível resgatar a autoestima e empoderar outras mulheres. “Quando eu não gostava de menstruar, não tinha a menor conexão com a minha menstruação. Hoje, eu percebo uma grande mudança na vida das minhas clientes e alunas que recuperaram esse saber, que resgataram sua conexão”. 

 

De acordo com ela, todas as fases do ciclo menstrual, o antes, durante e o depois, podem ser valorizados se as mulheres passarem a encarar a si mesmas com respeito por seus corpos e pela vida. “A menstruação pode ser ressignificada. É só a gente resgatar essa sabedoria, relembrar. É um caminho. É um processo”. 

 

A minha experiência menstrual não será igual a sua nem as das demais mulheres, porque somos únicas” -  Vanessa Mendes.

 

Ao menstruar pela primeira vez, a psicóloga Vanessa Mendes, de 28 anos, estranhou. “Geralmente, olhamos pela perspectiva do controle esfincteriano e a primeira menstruação é um pouco terrosa”, relata acrescentando que tinha muita vergonha de comprar absorvente sozinha, por isso, pedia ajuda para a mãe. “Era um tabu muito grande e a gente vivencia isso. Tem muita mulher que tem vergonha de falar sobre isso em público ou com alguém, pois parece algo negativo, impuro ou sujo”.

 

A psicóloga especialista em saúde mental, diz ter percebido que muitas das suas pacientes adolescentes apresentam o mesmo sentimento de vergonha experimentando por ela. “Várias coisas vem nessa simbologia da menstruação. A menina está bastante vulnerável aos tabus sociais e a falta de orientação pode transformar esse momento especial para mulher em um momento de medo e de angústia”. 

 

Contudo, para ela, caso a menina receba uma boa orientação sobre o processo da maturação sexual e as transformações que o corpo enfrenta, traumas e medos poderão ser evitados. “Algumas meninas podem ter tirado de letra essa primeira experiência, já para outras, pode ter sido um grande tabu, o que dificulta a vida adulta dessas mulheres. Avós, tias, mães, responsáveis do sexo feminino podem falar sobre esse tema e encorajar os homens e os pais a falarem com suas filhas também”, defende. 

 

Cada corpo “produz e reproduz significados”. Por esse motivo, a psicóloga afirma ser de extrema importância ouvir as experiências da mulher sobre seu próprio corpo, sobre seu ciclo menstrual e o que ela percebe de diferente nos hormônios e nos sintomas decorrentes da TPM. “É importante se conhecer, pois não há como dizer que todas as mulheres funcionam da mesma maneira. Cada mulher possui uma subjetividade muito grande. Cada corpo traz significados distintos”, aponta. “A minha experiência menstrual não será igual a sua nem as das demais mulheres, porque somos únicas”.

Quatro Ciclos
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