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As críticas à 63ª edição do Grammy. E o aumento no número de artistas que querem boicotar o prêmio

Atualizado: 2 de mai. de 2021



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Fotos: Reprodução

Por Ester Santana


No último domingo, (14/03), aconteceu a 63ª edição do Grammy Awards, considerada a maior premiação da indústria fonográfica mundial. Ao longo da noite, inúmeros artistas renomados do showbiz musical subiram ao palco para receber os gramofones dourados ou performar em uma programação amplamente televisionada.


No entanto, a condução do evento feita pela The Recording Academy (Academia de Gravação) acendeu mais uma vez críticas por parte do público pela forma pouco transparente com que artistas negros e asiáticos foram tratados. Isso porque, o Grammy empurrou a cerimônia de premiação de Best Pop Duo/Group Performance (Melhor Performance Pop em Duo ou Grupo), Best R&B (Melhor R&B) e Best Rap (Melhor Rap) de seu lugar habitual no script da premiação principal para um evento pré-show separado e não exibido.


Neste ano, a categoria Best Pop Duo/Group Performance incluiu o grupo sul-coreano BTS, que foi indicado pela primeira vez ao prêmio. Além disso, os gêneros Rap e R&B são conhecidos por serem dominados por artistas negros. Diante disso, a decisão da Academia de Gravação de remover tais categorias da transmissão principal ao vivo não foi bem vista. “Ela envia uma mensagem clara aos espectadores POC (pessoas não brancas). Em uma cerimônia de premiação que já foi historicamente dominada por artistas brancos, esta ação invalida ainda mais o trabalho e as realizações de artistas de cor, e minimiza seu impacto cultural e musical”, avalia a organização global liderada por jovens, Dear Asian Youth.


Conhecidos por promover um ativismo intersetorial e a solidariedade com outras comunidades marginalizadas, a organização acredita que, dificilmente, este cenário irá mudar nos próximos anos. “Essa decisão do Grammy demonstra que não é apenas mais difícil para os artistas negros romperem as fronteiras da indústria musical, mas também é improvável que recebam o devido respeito ou reconhecimento por seus sucessos”.


A avaliação de que o Grammy ignora artistas não brancos com trabalhos significativos têm impactado na forma como a premiação é encarada pela audiência. Em 2019, o Grupo WHY, iniciativa da agência Horizon Media que pesquisa tendências sociais, divulgou um relatório com estudos sobre os prêmios Grammy no que diz respeito à audiência e relevância.


As descobertas do relatório ajudam a ilustrar o constante declínio na relevância da cerimônia de premiação. Foram feitas entrevistas com 900 adultos acima de 18 anos e analisadas postagens e comentários nas redes sociais. Dentre os principais resultados, descobriu-se que para apenas um terço dos entrevistados o Grammy ainda se manteve relevante. Das pessoas que se consideraram casualmente envolvidas com o que há de novo no mundo da música, 19% concordaram que o Grammy preservou sua importância, em oposição a 57% que se disseram altamente engajadas com as novidades musicais.


Dois terços dos ouvintes de música casualmente engajados disseram ser improvável a possibilidade de ligar a TV para acompanhar a cerimônia, argumentando que o show é muito longo, muito político, muito enfadonho e tem muitos anúncios. Quando perguntados sobre os momentos específicos em que o Grammy perdeu relevância para eles, alguns indivíduos responderam: quando Macklemore ganhou o melhor álbum de rap, quando Frank Ocean perdeu na categoria de álbum do ano em 2013 e quando Beyoncé perdeu na categoria de álbum do ano em 2017.


Em contrapartida, o relatório apontou um aumento significativo no interesse das pessoas pelo Grammy em um gênero específico: o K-Pop. Naquele ano, após o álbum “Love Yourself: Tear”, do boygroup BTS e a empresa de branding profissional HuskyFox terem sido indicados ao prêmio artístico Best Recording Package (Melhor Pacote de Gravação), o número de conversas nas redes sociais sobre a premiação ganhou novo fôlego. O motivo? Pela primeira vez um disco da Coreia do Sul foi indicado ao Grammy Awards.


Ameaças de boicotes e métodos escusos


Antes mesmo da 63ª edição do Grammy Awards começar, quando os nomes dos indicados foram anunciados, a ausência do cantor The Weeknd entre os indicados ao prêmio gerou indignação nas redes sociais. Apesar de ter quebrado inúmeros recordes com a canção "Blinding Lights”, chegando a ficar um ano inteiro no Top 10 da Billboard Hot 100 e receber inúmeros elogios da crítica especializada, a Academia de Gravação fechou os olhos para as extensas conquistas do artista canadense.


Em novembro do ano passado, The Weeknd utilizou o Twitter para expressar toda a sua frustração: “O Grammy continua corrupto. Vocês devem transparência a mim, aos meus fãs e à indústria”. Ao jornal The New York Times, afirmou que irá boicotar a premiação a partir de agora. “Por causa dos comitês secretos”, disse Weeknd, “não permitirei mais que minha gravadora envie minha música para o Grammy”.

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O anúncio de boicote não é uma exclusividade do cantor. Ainda em 2018, o rapper Eminem deu uma entrevista para o jornalista Sway Calloway em que jurou nunca mais comparecer à premiação. Eminem, que também é produtor musical, letrista e ator, afirmou que o Grammy suga o sangue dos artistas para levá-los a comparecer. “Todo f * cking year. Estou cansado de ver isso”, desabafou.


“Por alguma razão, eles estão sempre dando essa dica de que você pode ganhar o álbum do ano, o que costumava ser um grande negócio”, prosseguiu o rapper, compartilhando sua experiência e dizendo que não considera a premiação “grande coisa agora”. “Sentei-me em casa para assistir o Grammy este ano e vi Jay-Z e Kendrick Lamar não ganharem, e senti que um deles deveria ter ganhado. Achei que Joyner Lucas deveria ter ganhado um Grammy por “I’m Not Racist”. Todos os anos que íamos, eu era candidato ao álbum do ano e, em seguida, ‘a vencedora é Norah Jones!’”.


Apesar de toda pompa que envolve a aclamada noite de premiações, fora do palco, a Academia de Gravações acumula polêmicas que incluem acusações de preconceito contra mulheres e artistas negros, xenofobia e reclamações sobre seu sistema de votação pouco transparente, de acordo com os próprios críticos, que o consideram injusto e inacessível.


Segundo matéria do jornalista Ben Sisario — que cobre a indústria musical para o jornal The New York Times — as críticas se concentram especialmente em uma parte pouco compreendida do processo: o papel dos comitês de especialistas anônimos. Estes comitês são responsáveis por analisar as escolhas iniciais de nomeações pelos milhares de profissionais da música que fazem parte da lista de membros votantes da Recording Academy.


Eles também possuem a palavra final sobre quem vai ser selecionado para 61 das 84 categorias do prêmio. Para a liderança do Grammy, estes comitês exercem a função de verificação e equilíbrio a fim de preservar a integridade da premiação, já para alguns artistas, eles são, na verdade, “câmaras estelares inexplicáveis ​​que podem subverter a vontade dos eleitores”, aponta Sisario.


Soma-se a isso as acusações de que, para um artista ser indicado e chegar a ganhar um gramofone dourado, é necessário distribuir benesses. O próprio cantor Zayn Malik desabafou em seu Twitter: “Fo**-se o Grammy e todos os associados. A menos que você aperte as mãos e envie presentes, não é considerado para as indicações. No próximo ano, enviarei uma cesta de doces”, disse.

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Mais Polêmicas


Talvez, uma das artistas mais injustiçadas pelo Grammy seja Beyoncé. Apesar da cantora, a cada edição, levar para casa seus gramofones, aparentando uma certa inclusão e reconhecimento por parte da Academia de Gravação, alguns fatos contradizem esta ideia.


Dos 28 prêmios que Beyoncé levou, por exemplo, 23 foram em categorias do R&B e Rap. Em todos esses anos de carreira, a cantora, que se tornou a mulher mais premiada na história do Grammy, nunca recebeu o prêmio de Álbum do Ano, o mais importante da cerimônia.


Nesta edição, Beyoncé liderou as nomeações com nove indicações, e, mesmo recebendo o convite dos produtores, optou por não subir ao palco para performar na noite do último domingo (14). Assim como Bey, artistas como Kendrick Lamar, Ariana Grande, Lorde e Jay-Z também se recusaram a performar na premiação em outras ocasiões por discordarem de posicionamentos da Academia.

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Beyoncé na noite do Grammy Awards 2021. Foto: Reprodução

Em 2019, o boygroup BTS foi convidado para atuar como um dos apresentadores do Grammy. No ano seguinte, em 2020, fizeram a primeira performance no palco ao lado do rapper Lil Nas X, graças à colaboração na canção “Old Town Road”. Apesar do feito ter marcado a primeira vez que artistas sul-coreanos se apresentaram na premiação, a mídia destacou o fato do grupo ter sido encaixado em segundos da apresentação, mesmo com os sete anos de carreira e uma vasta discografia.


Para a Forbes, o jornalista Bryan Rolli, que também cobre a indústria musical, escreveu: “Ao mesmo tempo que, certamente, foi uma honra serem os primeiros artistas coreanos a se apresentarem na premiação, foi difícil não reparar na atitude esnobe da Recording Academy. O BTS lançou três álbuns número 1 consecutivos nos Estados Unidos, colocou diversos singles no Top 10 e esgotou turnês em estádios ao redor do mundo. Eles são indiscutivelmente um dos artistas mais populares do planeta. Por que não lhes dar quatro minutos para apresentar uma música própria?”.

Neste ano, a polêmica envolvendo o boygroup mais uma vez movimentou as redes sociais no dia do Grammy e repercutiu de modo negativo entre o público. Após a organização da cerimônia ter colocado algumas categorias, incluindo Best Pop Duo/Group Performance, em um evento pré-show, o prêmio, anunciado em 56 segundos, foi entregue para Lady Gaga e Ariana Grande, que concorriam com a canção “Rain On Me”, do álbum Chromatica.


Mas isso não impediu que a performance ao vivo do BTS fosse incansavelmente promovida à noite toda, "em uma tentativa desesperada de manter os espectadores sintonizados com o programa”, avaliou o jornalista Bryan em reportagem da Forbes. As tentativas, no entanto, não foram bem sucedidas. Segundo matéria da Variety, que divulgou o índice oficial de audiência feito pela Companhia Nielsen, a transmissão deste ano foi a menor na história do Grammy, com uma média de 8,8 milhões de telespectadores.


Nas redes sociais, usuários reclamaram que o programa estava mantendo o BTS e seus fãs como reféns. “Foi uma tentativa desavergonhada e aparentemente malsucedida de isca de audiência”, explicou Bryan. “Foi um final decepcionante, mas previsível para a saga do BTS no Grammy 2021, que mais uma vez encontrou a Recording Academy fazendo o mínimo para o maior grupo pop do mundo”.


Após o evento, o septeto realizou uma live na plataforma de streaming de vídeo Vlive, discutindo seus pensamentos sobre a premiação. A transmissão, que durou apenas 17 minutos, terminou com 7,7 milhões de espectadores. Poucas horas depois, a live já acumulava mais de 11 milhões de visualizações, ultrapassando a audiência da 63ª edição do Grammy Awards.

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BTS na live de pós-Grammy. Foto: Reprodução Vlive

Deborah Dugan e o exemplo da marca Victoria's Secrets


Deborah Dugan foi a primeira mulher a ocupar o cargo de presidente e chefe executiva da Academia de Gravação, responsável pelo Grammy Awards. Quando a Academia escolheu Dugan para o cargo, em maio de 2019, seu currículo incluía papéis como executiva-chefe da instituição de caridade Bono’s Red, presidente da Disney Publishing Worldwide e advogada em Wall Street.


Em março de 2020, porém, Deborah foi demitida do posto de presidente. Ela já havia sido afastada em janeiro, dias antes da 62ª edição da premiação, sob alegação de má conduta. "Como vocês sabem, Deborah Dugan está em licença administrativa remunerada desde 16 de janeiro de 2020. Estamos escrevendo para informar que, na manhã de hoje (02/03/20), o conselho administrativo votou pela demissão de Dugan", trazia trecho do comunicado entregue aos membros da Academia. "Colocamos toda nossa confiança nela e acreditamos que ela poderia, efetivamente, liderar a organização. Infelizmente, isso não aconteceu".


A demissão de Deborah ocorreu em meio a denúncias de assédio sexual e acusações sobre a existência de comitês secretos que favorecem determinados artistas. “Fui recrutada e contratada pela Academia de Gravação para fazer mudanças positivas. Infelizmente, não fui capaz de fazer isso como CEO. Então, em vez de tentar reformar uma instituição corrupta, continuarei trabalhando para responsabilizar aqueles que continuam manchando o processo de votação do Grammy e discriminando mulheres e negros”, disse a advogada.


Deborah Dugan também afirmou que o Grammy é uma premiação racista, que evita ao máximo premiar artistas R&B e Rap fora de suas categorias segmentadas. Para embasar suas acusações, ela citou como exemplo o álbum “Lemonade”, da Beyoncé, não ter ganhado o prêmio de “Álbum do Ano”, em 2017. Também mencionou Kendrick Lamar e Kanye West nas categorias de “Música do Ano” e “Gravação do Ano”. Segundo ela, quando algum membro cita a falta de diversidade, é expulso da Academia.


As denúncias apontadas pela advogada não surpreendem. Elas se juntam às demais acusações que pairam sobre a polêmica premiação e repetem o roteiro experienciado pela conhecida marca de lingeries, Victoria's Secret, que despencou em relevância e começou a perder espaço por não se adaptar aos novos tempos.


A falta de diversidade entre as modelos e os comentários transfóbicos e gordofóbicos do próprio diretor criativo sênior da marca, Ed Razek, levaram a uma queda recorde na audiência do famoso desfile anual Victoria’s Secret Fashion Show. Além disso, as atitudes contraditórias da produção envolvendo seu casting fizeram o público se indignar e boicotar produtos e serviços da marca.


O resultado foi o cancelamento do tradicional desfile em 2019. Nem mesmo a empresa-mãe da Victoria's Secret, L Brands, foi poupada das dificuldades. Confrontada com problemas financeiros em meio a pandemia do coronavírus, anunciou em maio do ano passado o encerramento de 250 lojas na América do Norte e avisou que, nos próximos dois anos, novos cortes podem ocorrer.


Enquanto isso, a linha de lingerie criada pela cantora Rihanna, Savage X Fenty, continua disparando em vendas, marcada pela diversidade em seu casting, e está prestes a se tornar líder no mercado global de lingerie, devendo atingir US$ 325 bilhões em 2025. A cantora também anunciou um desfile de lingerie para TV, transmitido exclusivamente na Amazon Prime Video, para dar aos fãs de todo o mundo a oportunidade de conhecer mais sobre o processo criativo, os bastidores da produção do programa e assistir a shows de artistas diversos.


Uma bela reviravolta que consagra a marca criada pela cantora barbadense. Rihanna, inclusive, já estava se desentendendo com a organização da VS desde 2015, quando Ed Razek substituiu sua amiga pessoal, a modelo negra Jourdan Dunn, do desfile para colocar Kendall Jenner. "Me sentindo muito melhor sobre não fazer o BS [sigla em inglês para "bullshit", ou "merda", em português]... desculpa, quis dizer VS [sigla para Victoria's Secret] agora que a Rihanna também não vai fazer", escreveu Jourdan em seu Twitter na época. O tweet foi deletado logo em seguida, mas muitos internautas conseguiram registrar o momento.

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