O que é cottagecore. E como as redes sociais influenciam seu crescimento durante a pandemia
- contatomidiaprisma
- 10 de abr. de 2021
- 6 min de leitura
Atualizado: 23 de abr. de 2021
Estética idealizada e escapista resgata um estilo de vida mais simples e foi incorporada pela moda

Por Ester Santana
Uma paisagem situada no campo com rebanhos de ovelhas e passarinhos, longe da cidade e de aglomerações. Um lindo jardim, repleto de flores coloridas, onde ocorre um piquenique ao ar livre com guloseimas, bules e xícaras de chá. Quem ouve essas descrições pode até achar que estamos falando sobre o arcadismo – movimento literário e artístico do século XVIII –, e sua busca idealizada por um modo de vida que promoveu o fugere urbem, uma fuga do urbano para o campo.
No entanto, as inspirações extraídas da natureza, com a valorização da vida campestre e resgate de ideais mais clássicos e conservadores também servem para descrever o chamado Cottagecore, estética escapista que tem sido impulsionada pelas redes sociais durante a pandemia. A busca pelo afastamento dos hábitos de consumo praticados nas grandes cidades, a diminuição no ritmo de atividades e o retorno para o que é simples, focado nos prazeres mais modestos, são as grandes marcas desse estilo.
Quando se trata de roupas, isso se traduz nas mangas bufantes, peças de tricô, saias longas, camisetas floridas, lenços na cabeça… São muitas as opções para os amantes do cottagecore, que se tornou um fenômeno em plataformas como Instagram, TikTok e Pinterest. Seguramente, a moda reflete o comportamento de uma determinada época e a maneira como nos vestimos até pode parecer inconsciente, mas está estritamente atrelada a um contexto maior.
“A pandemia despertou e obrigou as pessoas a desacelerarem. Estávamos em um ritmo muitas vezes imediatista e fomos forçados da noite para o dia a dar uma parada brusca nas muitas atividades”, explica a psicóloga pós-graduanda em Neuropsicologia, Gardênia Pereira. “Tivemos a rotina modificada e com isso, nos voltamos para a arte e a cultura a fim de nos desligarmos e, ao mesmo tempo, mantermos nossa saúde mental da maneira mais sadia possível”.
Neste ambiente favorável à introspecção, a moda soube se adaptar às novas exigências, com respostas prontas para vestir. Por promover costumes que, muitas vezes, não eram mais possíveis mesmo antes do coronavírus entrar em cena e mudar tudo, estéticas como o cottagecore voltaram a ser tendência.

O estilo cottagecore “começou a emergir há quatro ou cinco anos, por isso [ele] é mais uma feliz coincidência do que um resultado da pandemia. [...] Talvez estejamos pensando mais nos nossos avós, nos preocupando um pouco com eles”, disse a professora de história do design na Universidade de Portsmouth, Deborah Sugg Ryan, em uma entrevista recente para o Financial Times. “Essas memórias da casa da vovó, a nostalgia e a ideia de como podemos fazer um lar [vieram à tona], especialmente para uma geração que pode nunca ser dona de casa”.
Para a psicóloga Gardênia Pereira, ao longo dos últimos meses tivemos que conciliar o otimismo e a esperança de que dias melhores irão chegar com os diversos retrocessos que atrasaram o retorno ao “normal”. “Ao mesmo tempo em que temos esperança de que logo tudo irá passar, somos bombardeados com notícias ruins, principalmente e especialmente no Brasil. Isso traz ainda mais um sentimento de incerteza quanto ao futuro. A realidade é assustadora e traumática. Por isso, em um momento como esse, talvez muitas pessoas tenham buscado o viés artístico, natural e sossegado do campo para enfrentar tamanha pressão”, afirma.

As redes sociais e a linha tênue do cottagecore
Quando tinha cinco anos de idade, Camellia morou com os avós no Vietnã. Dona de um Instagram voltado ao cottagecore, ela conta ter desenvolvido seu estilo por conta da influência que recebeu em casa. “Minha avó ama muito jardinagem e cultivo. Foi ela quem me ensinou sobre essas coisas. Como uma criança curiosa, eu adorava saber mais sobre as flores bonitas ou os frutos saborosos de seu jardim”, relembra com carinho a jovem, que hoje vive na França, de onde fala conosco.
Sonhadora, Camellia diz que hoje adora cuidar de jardins e se tornou uma grande amante da natureza, o que influenciou na criação e no conceito de seu perfil do Instagram. “Amo estar rodeada pela natureza, pelos animais de fazenda, prados floridos e belas paisagens, como nos filmes antigos que assisti. Então, meu estilo é muito influenciado por essas coisas”.
Além da jardinagem, em seu perfil do Instagram com mais de 28 mil seguidores, Camellia reúne outros hobbies cultivados por ela como panificação, bordado, piquenique, fotografia e objetos vintages. Segundo ela, todos estes itens combinam e são adequados para uma pessoa cottagecore. “Cottagecore é uma estética baseada em uma vida tranquila e simples cheia de coisas comuns: um jardim para cuidar, roupas que parecem um pouco sonhadoras, vintage, caprichosas e oníricas”, ilustra.
As atividades diárias são tema de suas fotografias, que parecem compor as páginas de um livro de conto de fadas. “Para as sessões, com certeza temos que pensar nos conceitos antecipadamente, [escolher] os locais, mas algumas fotos são realmente aleatórias e espontâneas”, compartilha. “Talvez vocês pensem que é um pouco irreal e abstrato, porém eu adoraria mostrar que não vivemos em um mundo perfeito, mas ele é lindo e sonhador pelo menos. Basta estar mais perto e tratar bem a natureza”.
Com um estilo clássico, romântico, simples e um pouco bucólico, a baiana moradora de Brasília, Jamille Góes, acredita que o modo como as pessoas se vestem é um reflexo da própria personalidade. “Sempre fui uma pessoa romântica e encantada por tudo que diz respeito à natureza. O romantismo e o bucolismo são elementos muito presentes no meu cotidiano”, conta.
“Nas horas livres, adoro cuidar do meu jardim, alimentar e catalogar os pássaros que aparecem no meu quintal e apreciar uma boa literatura. A paixão por plantas e pássaros tornou-se inspiração para as estampas das roupas que uso e até mesmo os objetos que adornam o meu lar”. Segundo Jamille, o item do guarda-roupa que ela mais utiliza são os vestidos, pois neles ela encontra conforto e simplicidade. “Sou apaixonada por estampas clássicas, do poá ao vichy. O vestido é a peça mais comum no meu dia-a-dia, pois me dá uma sensação de conforto e liberdade”.
Para ela, o cottagecore existe há muito tempo, porém agora, graças às redes sociais, o estilo ganhou uma nova dimensão. “Acompanho esse tipo de estética há alguns anos e tenho observado cada vez mais seu crescimento, principalmente após o início da pandemia. Devido a esse período de isolamento, houve uma mudança na forma como as pessoas encaram a vida. Muitas estão buscando uma conexão maior com a natureza e valorizando as coisas simples do cotidiano. O cottagecore é exatamente isso”, diz.
Para a Camellia, a simplicidade e conexão com a natureza proporcionadas pelo cottagecore são os motivos por trás do maior número de pessoas interessadas nessa estética durante o isolamento. “Principalmente por causa do estresse da vida moderna, as coisas comuns e simples ajudam muito a diminuir os sentimentos de estresse e ansiedade. E é por isso que adoro cottagecore”, afirma.
Contudo, apesar da aura romântica e idealizada que envolve o cottagecore, sua adoção por parte de alguns indivíduos pode revelar indícios de uma saúde mental fragilizada, ou mesmo uma tentativa consciente (ou inconsciente) de negar a realidade. “O escapismo possui uma linha tênue entre o saudável e o patológico”, explica a psicóloga Gardênia. “A partir do momento em que aquele escape deixa de ser só um momento de respiro para que a pessoa possa espairecer e desviar de suas preocupações e passa a ser uma fuga da realidade, aí então temos o início de possíveis problemas”.
“Negar a realidade, consciente ou não disso, nos faz cair em armadilhas e nos coloca em situações complicadas, que muitas vezes não damos conta de lidar e nos afastam da nossa verdadeira essência”, pontua. Segundo a psicóloga, para mudar este quadro de fuga da realidade é necessário questionamento, aceitação e vivência do presente. “Também é importante buscar a psicoterapia, pois através desta rede de apoio os indivíduos conseguirão desenvolver autonomia e descobrir novas possibilidades para lidarem com a realidade”.
Cottagecore é o novo preto
Grande parte do sucesso desse estilo escapista pode ser explicado pela sua presença massiva no mundo digital. Celebridades como Tess Holiday, Harry Styles e Taylor Swift, por exemplo, ajudaram a popularizar o cottagecore como um estilo moderno, que pode ser apreciado e consumido pelo público sedento de novidades com significados. No começo do ano passado, Tess Holiday utilizou o famoso vestido midi de morangos e tule da estilista Lirika Matoshi durante o Grammy Awards. Meses depois a peça foi uma das tendências que viralizaram na internet e gerou inúmeras discussões online sobre gordofobia.

O cantor Harry Styles, primeiro homem a estampar sozinho a capa da revista Vogue na edição de dezembro do ano passado, posou com um blazer e vestido da Gucci com uma forte pegada cottagecore. O cenário do ensaio fotográfico e as peças utilizadas pelo artista seguiram a mesma tendência, repercutindo no mundo inteiro.

Uma das artistas com grande influência que incorpora o cottagecore em seu estilo é Taylor Swift. Em 2020, a cantora norte-americana lançou seus oitavo e nono álbuns, Folklore e Evermore, com uma forte imersão no campo e um mergulho no estilo vintage. O retrato melancólico e saudosista dos álbuns, gravados durante o isolamento, reflete o mundo atual e talvez seja um dos melhores contrapontos fantasiosos para realidade dura experimentada em 2020.

Que matéria completa e inspiradora! Eu não sabia muito sobre cottagecore, mas já havia visto alguns perfis com essa estética no Instagram. Voltar-se para a simplicidade da vida pode estar sendo a salvação de muitos durante esse período de pandemia. Parabéns pelo texto!