PARA ALÉM DOS CROQUIS, EXISTE INCLUSÃO NA MODA?
- Stephanie Fazio
- 27 de mar. de 2021
- 9 min de leitura
Dificuldades para encontrar peças específicas e adaptações ainda são realidades de portadoras de nanismo

Por Stephanie Fazio
Vem aí na passarela: visibilidade e empoderamento. Encontrar uma peça de roupa que caia bem e traga autoconfiança muitas vezes não é uma tarefa fácil para pessoas portadoras de nanismo ou outros tipos de deficiência, causando desconfortos e necessidades de ajustes. “Se você veste alguma coisa que não te cai bem, você não está consumindo moda, você está sendo uma vítima dela”, disse Vitória Souto, design de moda, em entrevista à Revista Fraude.
De acordo com o portal Univates, o estilista francês Chris Ambraisse Boston foi um dos pioneiros a pensar no vestuário adaptado. Ao desenhar no metrô, uma jovem usuária de cadeira de rodas o observava, ela lhe expressou seu amor por moda e expôs suas dificuldades em encontrar algo para vestir que possuísse estilo. As peças sempre tinham que ser adaptadas ou eram extremamente básicas. “Foi então que Boston passou a estudar o assunto e fundou a grife A&K Classics, a qual une multifuncionalidade e estética. O estilista também aplica o conceito de sustentabilidade em suas coleções ao reaproveitar tecidos que seriam descartados”.
Para Marcela Perrota, influenciadora digital formada em administração de empresas, de 30 anos, a moda como um todo não é inclusiva. “Hoje, temos visto muito mais lojas que vendem para corpos maiores, mas o mercado para pessoas com nanismo é minúsculo, quase não existe. Essa exclusão, a meu ver, se dá porque o mercado não nos enxerga como pessoas que estudam, trabalham e consomem como qualquer outra pessoa”, argumenta.

“As marcas têm alguma explicação para excluir as deficiências de seu portfólio, algo ligado a demanda e oferta, porém se nunca investirem nesses modelos, como vão perceber a demanda? Mesmo que não façam coleções adaptadas, mas precisam começar de alguma forma, então por que não oferecer um serviço gratuito de adaptação de roupas para pessoas com deficiência? Além de gastarmos com a roupa, muitas vezes temos que gastar com a adaptação”, questiona a influenciadora digital.
Falta coragem e, quando há, falta espaço para ser feito e reconhecimento, afirma Juliana Caldas, atriz e modelo, de 34 anos, sobre a falta de inclusão na moda brasileira. Segundo ela, existem marcas que já trabalham com uma maior variedade de corpos, mas poucos conhecem, justamente pela falta de reconhecimento. “Hoje em dia, vivenciamos o processo de conscientização e assim o país caminha para frente, mas ainda em ritmo lento. Mas, como formiguinhas, eu acredito que chegaremos lá”, diz.
“Temos aquela vontade de comprar uma roupa e já sair usando e não podemos, porque na maioria das vezes temos que fazer alguma adaptação e ainda gastamos um dinheiro a mais por elas. Sempre quando vou comprar já começo a olhar a roupa e pensar no que tenho que fazer, também vejo o valor e faço um cálculo total e, às vezes, não compro. Já adquiri uma peça e pedi para fazer a adaptação e não ficou bom, perdi a roupa e o dinheiro”, relembra Juliana. Ela conta que, na maior parte das vezes, ela mesma realiza modificações em roupas básicas.

A atriz observou que com a pandemia, a internet ficou mais ampla nos diversos assuntos, entre eles a inclusão na moda. Ela não vê a situação atual como um obstáculo, mas sim, a falta de oportunidade das marcas e empresas. “Temos um longo caminho para o crescimento da moda inclusiva e muita força para percorrer e chegar onde quisermos. Eu, como consumidora, poder comprar uma roupa e já sair usando”.
Juliana explica que vê muitos TCCs sobre o tema, mas param por aí. “Conheço pessoas corajosas e admiráveis por realizar a moda inclusiva, existem três perfis que eu sigo no Instagram e quero que todos conheçam os trabalhos, são eles: Jô Divina Ateliê, Equal Moda Inclusiva e Via Voice For Fashion que são pessoas que pensam na inclusão, que vão além”.
Moda se transformando
Heloísa Sangalli Beneduzi, designer de moda e consultora de imagem de 26 anos, conta que no curso de moda da faculdade Univates, em 2017, todos os trabalhos de conclusão eram compostos por um artigo científico e uma coleção de moda com cinco looks, sendo que pelo menos um deles deveria ser pensado para uma pessoa com deficiência.
“Na época, eu estava muito motivada a encontrar um propósito maior naquele trabalho, não queria fazer roupas simplesmente por fazer, queria fazer algo que fosse realmente útil para alguém. Comentei sobre isso com a minha professora orientadora, que foi quem sugeriu a ideia de trabalhar com pessoas com nanismo. O desafio foi muito grande, pois além de criar a coleção inteira voltada para essas mulheres, tive que estudar muito sobre o assunto, fazer pesquisas, entrevistas, pensar em toda a questão que envolve a ergonomia das peças, tecidos, modelagens e também encontrar mulheres que aceitassem participar desse desafio comigo”, relembra a designer.

Ela comenta que para montar a coleção, elaborou um questionário, que foi respondido por 32 mulheres com algum tipo de nanismo. “A coleção deveria ter peças que não parecessem ser infantis e que elas gostariam de usar, mas que não encontravam em lojas convencionais ou não conseguiam ajustar de forma adequada. Tentei variar o máximo possível as peças dos looks: fizemos vestido, calça flare, saia, casaco, macacão e blusa cropped, por exemplo”, descreve Heloísa.
A experiência que teve com o desenvolvimento do trabalho de moda inclusiva foi um dos responsáveis por atuar na área de consultoria de imagem, pois nela cada um é tratado de forma individual, sem regras prontas, sendo algo totalmente focado na pessoa, segundo a designer. “Foi muito emocionante ver as cinco mulheres que aceitaram participar do trabalho vestindo as peças que desenvolvi e, acima de tudo, se sentindo lindas, confortáveis e seguras”, diz.
Representatividade e conforto marcaram o desfile do TCC de Heloísa. Reprodução: Heloísa Sangalli Beneduzi/arquivo pessoal
“Desde criança eu sempre me interessei por moda e falava que queria ser estilista”, diz Marcela Perrota, influenciadora digital. Ela relata que comprava muitas revistas “Teens” só por causa dos editoriais de moda, desenhava peças autênticas e, algumas vezes, contava com a ajuda de sua avó, que realiza trabalhos de costura, para tornar seus modelos concretos para ela e suas bonecas.
Porém, com o passar do tempo, a influenciadora começou a perceber que o mercado da moda não é um espaço de fácil acesso e para uma pessoa com deficiência, ele se torna um mercado ainda mais excludente. “Então, isso começou a me desanimar a tentar um vestibular para moda e acabei escolhendo administração, pois vi uma possibilidade de carreira mais ampla. Depois de muito pensar em como eu poderia colocar o meu desejo de trabalhar com moda no mundo, eu criei o Pequenices blog”, relembra.
Marcela levou três anos para tirar seu sonho de se dedicar à moda do papel, pois ainda tinha muito receio de se expor, porque, “o preconceito contra as mulheres com nanismo é muito grande e tem alguns formatos, um deles é a super sexualização. Depois de adiar muito, em 2019, eu criei o Pequenices para falar de uma coisa que eu já fazia na minha vida há muito tempo, pelas circunstâncias que o mercado me oferecia: moda adaptada. E é isso que me inspira, o poder e a necessidade de criar uma moda exclusiva para mim, de me expressar através das minhas roupas”, destaca. Ela continua afirmando que o seu blog tenta mostrar para as meninas com nanismo que elas são capazes de usar e criar tendências também.

Já em 2020, ela pôde perceber o sucesso de seu trabalho, sendo eleita a influencer do ano no prêmio Nanismo Brasil. “Eu não esperava nem a indicação, eu só tinha o Pequenices há um ano e ainda fui indicada com outras personalidades bombadíssimas, como a Pequena Lo e a Mariana Torquato. Eu já tinha escrito um post para a equipe da premiação e, desde então, eles acompanhavam o meu trabalho. Ganhar para mim em votação popular foi um sonho, até hoje fico meio boba pensando nisso”, conta.
Dicas diárias
Para as pequenas criativas, Marcela dá algumas dicas de como se vestir com praticidade. “Apostar em peças versáteis como vestidos, que possam virar saia, saias que possam virar blusas, acho que tem que exercitar o olhar de pensar fora da caixa, de que uma peça não serve somente para o que ela foi criada. Com um cinto na mão e ousadia na cabeça você pode ter estilos diferentes com poucas peças de roupa”.
Entre as referências da área para a influenciadora, estão: Camila Coutinho e Júlia Petit. “Quando eu comecei a mexer na internet, elas foram as primeiras pessoas do mundo da moda que eu comecei a seguir. Com a Júlia eu aprendi a me maquiar pelo YouTube, eu ficava horas vendo os vídeos dela. E com a Camila nasceu a minha vontade de trabalhar com moda, pela maneira como ela levava o assunto, de uma forma muito leve e ao mesmo tempo antenada”, explica.
Em relação às marcas, Marcela revela que tem fases em que prefere lojas como C&A, Renner, Forever 21 e Zara, mas que também acompanha marcas menores pelo Instagram, uma delas é a Ziovara. “Eu tiro muita inspiração do Pinterest e de influencers menores também, pois acho que elas trazem mais a moda para o nosso alcance. Indico a Gabs Taranto, a Rebeca Costa, que também tem nanismo, Maria Laura Barcelos, Luiza Schiavini, Isa Marins, entre outras”.

Já para a atriz, as referências de moda que aprecia são as que a deixam confortável. “Vou pontuar dois estilistas que tive o prazer de conversar e conhecer, através da internet, que tem um olhar para a inclusão, são eles: Dudu Bertholini e o Arlindo Grund. Porém, sigo vários tipos de pessoas do ramo, posso dizer que sou bem eclética”, confidencia. Quanto às marcas, ela conta que não tem nenhuma que acompanha e que prefere o segmento dos brechós.
A partir do momento que cada um dedica um tempo para si e para escolher o que fica bem, acaba se conhecendo mais e percebendo que pode se divertir, se cuidando. “Para mim moda é isso, diversão”, expõe a influenciadora.
“Independente de ter uma deficiência ou não, de ser magro ou gordo, baixo ou alto, a maior dica que tenho para dar é: busque autoconhecimento. Ele é a base fundamental para qualquer pessoa conquistar mais autoconfiança e autoestima. Conhecer o próprio corpo, o estilo, entender as coisas que gosta e o que não gosta, o que é essencial para você ao se vestir, tudo isso é muito mais valioso do que qualquer dica genérica da internet”, recomenda Heloísa Sangalli Beneduzi, designer de moda e consultora.
A atriz e modelo Juliana Caldas aconselha que, em primeiro lugar, temos que aprender a se amar e se admirar. Depois, escolher a roupa que faça com que nos sintamos bem e bonitas, porque gostamos de fato da peça e não pelo que os outros pensam. “Quando você aprende a se vestir para você, fica tudo mais simples e bonito. Se você está bem com isso, irá transmitir para o próximo. Seja feliz, vista a felicidade e viva”.
Representatividade vai além dos looks

Indo na contramão dos “padrões” de beleza da sociedade, a marca de lingeries da cantora Rihanna, SavageXFenty, aposta na diversidade de corpos dos modelos. Neste mês de março, a influenciadora Tamera McLaughlin, de 23 anos, foi confirmada como a primeira embaixadora com nanismo a representar a marca.
Segundo Heloísa, além das questões funcionais relacionadas às roupas, a representatividade é tão importante quanto. “Esse foi um dos pontos que abordei no meu trabalho: de que maneira uma pessoa que não se encaixa em determinados padrões pode se sentir representada se não há identificação por parte dela com as imagens que são mostradas pela mídia. E isso não somente com pessoas com nanismo, mas com outras deficiências também”, aponta.
No mesmo ano em que a designer fez o trabalho, Juliana estava no elenco da novela O Outro Lado do Paraíso, de Walcyr Carrasco. Para a designer, foi muito prazeroso acompanhar a atriz, não somente na novela, mas também nas redes sociais e ver a repercussão positiva que a aparição dela teve.
A escolha de uma modelo com nanismo para ser embaixatriz da marca de lingerie da Rihanna também é um grande avanço nessa questão da representatividade, de acordo com Heloísa. “Quando falamos sobre o tema, abordamos também a diversidade de corpos! Do meu ponto de vista, a moda inclusiva vem ganhando espaço nos últimos anos, mesmo que timidamente. O caminho é longo, mas acredito que quanto mais se discute o assunto, mais visibilidade ele ganha e as melhorias acontecem”, destaca.
Diversidade e inclusão nos modelos da SavageXFenty/Reprodução: Instagram
“Dona Rihanna veio para quebrar paradigmas de diversidade em vários aspectos, desde os corpos das modelos até as cores e tamanhos de seus produtos. É muito importante que artistas do tamanho dela façam o mesmo movimento, porque infelizmente as pessoas são influenciadas quando referências grandes passam a adotar certo tipo de comportamento. Escolher corpos diversos para representar marcas está diretamente ligado a essa mudança, pois não adianta você produzir para um público se esse ele não se enxergar na sua marca. Se enxergar em campanhas nos empodera também”, afirma Marcela.
Juliana relata que as peças da SavageXFenty são lindas e todos podem usar. No perfil do Instagram da marca, ela conta que observa uma grande representatividade de corpos e belezas. “Eu deixo perguntas para quem estiver lendo e para as marcas: Por que padronizar tudo? Quem falou que esse ‘padrão’ é o certo? O que é certo? Por que usar só um estilo de corpo? Somos milhões (ou mais) de mulheres lindas do jeito que somos. Tenham a coragem que a marca da cantora teve, de usar mulheres lindas, com belezas e corpos diferentes, essa é a realidade”, argumenta.
Marcela acredita que o empoderamento é um dos caminhos para romper preconceitos em todos os setores da sociedade. Segundo ela, a moda é um espaço que traz muita visibilidade, que dita padrões e que influencia as pessoas. Então, quanto mais marcas apostarem na diversidade, mais pessoas vão entender que qualquer ser humano é capaz de ocupar o lugar que desejar.
“O empoderamento é importante para ensinar, compreender, olhar para o novo, orientar e tentar ter empatia pelo próximo. Eu sou uma consumidora de moda, mas quando vejo uma representatividade é gratificante. O preconceito nada mais é que a falta de informações, de conhecimento, de empatia. Se começarmos a olhar mais para a inclusão, só vamos ganhar”, conclui Juliana.
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