Paulista subterrânea
- Stephanie Fazio
- 25 de jun. de 2018
- 3 min de leitura
Atualizado: 22 de nov. de 2023
Ruínas históricas, obras interrompidas e conflitos políticos: a história oculta do que há “por debaixo” da avenida mais famosa de São Paulo
CINTHIA JARDIM, DANIELA GOLFETO, GABRIEL GAMA, LETICIA MARIA E STEPHANIE FAZIO DE SÃO PAULO

Úmido, escuro, abafado... Assim descreve Sonia Guggisberg, artista plástica, pesquisadora, diretora do documentário “Subsolo” (2014) e autora do livro “Subsolos” ao passar pelos subterrâneos de um dos lugares mais movimentados da cidade de São Paulo, a Avenida Paulista. O cheiro forte e desagradável, as infiltrações, as goteiras, a poeira no ar. “Eu fiquei com a impressão de que aquela calçada toda, uma hora, iria começar a romper”, conta Sonia em entrevista.
As pessoas que fazem seus percursos diários de idas e vindas ao trabalho, escola, faculdade ou até mesmo lazer, nem imaginam o que há “por debaixo” de seus passos agitados. Tudo começou em 1963 com o projeto “Nova Paulista”, feito pelo ex-prefeito da cidade, Figueiredo Ferraz, e seu amigo pessoal e arquiteto, Nadir Mezerani.
A ideia do projeto era que a obra fosse feita em trincheiras. O metrô passaria embaixo da avenida, a via para os carros no meio e a calçada de pedestres ficaria em cima. Para isso, foram retiradas canalizações de água, esgoto e gás. O intuito era melhorar o trânsito da Av. Paulista, que seria somente pelas transversais, e deixar o local mais livre para os pedestres transitarem, alargando a pista de 28 para 48 metros.
“Para que as pessoas circulassem e não ficassem dentro de um túnel, fiz aberturas a cada dois quarteirões. Criei um desenho a fim de integrar os carros que passavam embaixo com o objetivo de conceber aos motoristas a visão parcial dos prédios. Com a intenção de manter a estrutura fixa, precisei fazer uma fundação considerando o balanço da infraestrutura. O subsolo possui um espaço que suportava toda a quantidade de veículos”, explica Mezerani.
No entanto, quando o então governador do Estado, Laudo Natel, dispensou Ferraz de seu cargo de prefeito em 1973 devido a questões políticas não esclarecidas, o projeto foi interrompido, deixando 22 galerias inacabadas e inutilizadas em toda a extensão da Paulista. Além disso, alguns proprietários de prédios na avenida exerceram influência junto ao poder público e aos militares. Desta forma, o único trecho concluído do projeto conecta a rua da Consolação com a Haddock Lobo.
“Existe uma Paulista inteira que está cheia de galerias, que as pessoas não conhecem e os proprietários não deixam visitar. Foram esses ilustres que emperraram a obra e depuseram o prefeito”, comenta o autor do projeto “Nova Paulista”.
“Passagem literária”: tudo o que sobrou
Para ter acesso ao subsolo é preciso enfrentar diversas barreiras burocráticas impostas pelo governo paulista. Sonia Guggisberg diz que foi necessário ter paciência para conseguir uma visita. “Eu estava há mais de um ano e meio tentando entrar ali e ninguém permitia. Comentaram comigo que existia uma prefeitura local, um órgão que regulamenta tudo o que acontece na Paulista. Certa hora, tentando pela última vez, o ‘gerente’ da avenida falou para mim: se um dia você conseguir entrar me avisa que eu vou junto. Eu fiquei muito brava.”
Projetada por Mezerani em 1970, a galeria da Consolação, localizada entre a Avenida Paulista e a Rua da Consolação, tem como objetivo facilitar a travessia de pedestres através de uma passagem subterrânea. Devido a degradações locais, como infiltrações na parede e sujeira por toda parte, foi fechada em março de 2005 pela Prefeitura Regional da Sé. Em novembro daquele mesmo ano, o espaço foi reaberto com o nome “Passagem Literária”, em parceria com a Associação Via Libris de Livreiros, que agora o administra como um sebo. É utilizado também para fins culturais, com apresentações de saraus, shows e exposições de artistas independentes.
Para a pesquisadora, as outras galerias esquecidas pelo Estado poderiam ser melhor aproveitadas caso houvesse investimento e organização. “Tem que fazer um planejamento para isso, mas que essas galerias podem se transformar em uma série coisas, tenho certeza que sim”.
Questionado se ainda era possível realizar o projeto “Nova Paulista”, Nadir Mezerani afirma que sim, mas que algumas alterações precisam ser feitas no projeto inicial, já que diversas construções surgiram ao redor, como a estação Consolação da linha 2-Verde do Metrô. O projeto inicial, que levaria toda a avenida para o subterrâneo, hoje teria que ser apenas parcialmente rebaixada, com um contínuo "sobe e desce" em toda a extensão da Avenida. "Ainda assim é um bom projeto, mas eu duvido que algum prefeito pegue esse trabalho para ser realizado", lamenta o arquiteto.
Após tentativas de contato com a Prefeitura Regional da Sé sobre a inutilização dos espaços subterrâneos na Avenida Paulista, a reportagem não obteve respostas até o momento de publicação desta matéria.
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