ESPECIAL - 8 anos sem Chorão: o legado do Marginal Alado para a música brasileira
- contatomidiaprisma
- 6 de mar. de 2021
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Por Letícia Remonte
Santos, 1992. Cinco garotos se juntam para fazer um som no litoral paulista. Em uma mistura de rock, punk, reggae, rap, hip hop e outros diversos elementos musicais, surge o grupo que anos depois, se tornaria sensação em todo país: Charlie Brown Jr.

A banda era marcada pelo estilo irreverente, pela espontaneidade, mas principalmente, por ser singular. Nunca na música brasileira havia se visto um grupo que misturasse tantos estilos e transformasse essa mistura em unidade, cativando ouvintes de todos os estilos presentes na juventude da época. O rosto principal era Alexandre Magno Abrão, o Chorão. Com ele à frente do projeto por mais de 20 anos, o Charlie Brown se foi junto com seu líder, em 6 de março de 2013.
Encontrado morto em seu apartamento em Pinheiros, zona Oeste de São Paulo, Chorão tinha 42 anos e deixou nos fãs e admiradores a sensação de que caberia muita vida a ser vivida naquela história, que teve início em 9 de abril de 1970 na capital paulista, mas logo mudou de endereço. Santos foi o local em que morou o coração do Marginal Alado. Lá, ele vivenciou o início da banda, o nascimento do filho, a conexão com o amor de sua vida e a morte do pai, além de realizar sonhos como o Chorão Skate Park, complexo de pistas de skate que administrava.
Início: os caras do Charlie Brown invadiram a cidade
O rock nacional ganhou uma nova cara em 16 de junho de 1997. O disco Transpiração Contínua Prolongada trouxe sons voltados ao punk rock, como as clássicas Proibida Pra Mim e Tudo Que Ela Gosta de Escutar. Dona Nilda, mãe de Chorão, declarou ao programa Domingão do Faustão que não acreditava no sucesso da banda do filho, até o lançamento de O Coro Vai Comê. Não à toa, a música é uma das mais lembradas e amadas do grupo até hoje.
O CD vendeu mais de 250 mil cópias e foi certificado com disco de platina. A partir daí, a porta da grande mídia foi aberta para os músicos. Eles cantaram em programas televisivos da época como o Programa Livre e Jô Onze e Meia, do SBT. Com Jô, Chorão protagonizou mais uma de suas declarações de amor ao skate e apareceu em frente às câmeras fazendo manobras no estúdio, levando aos espectadores uma onda de leveza, como só ele - caiçara de alma - sabia fazer.
O boom comercial: mantenho a história de luz, de glória
Com o álbum Preço Curto, Prazo Longo, o grupo conseguiu ainda mais projeção na televisão. A música Te Levar Daqui se tornou abertura do folhetim Malhação, da Rede Globo em 1999, permanecendo até 2006. O tema de abertura foi trocado por outra canção composta por Chorão, intitulada Lutar Pelo Que É Meu.
A presença da trilha na novela agregou um novo público à base de fãs do Charlie Brown. O Brasil agora respirava ares de um rock n’ roll jovem e inovador, guiado pela energia dos moleques que conseguiam ser sem filtro e sentimentais ao mesmo tempo. O estilo despojado que unificava todas as tribos, tomava conta de um país carente de ídolos “rebeldes”.
Além de Te Levar Daqui, outros hits fizeram parte do disco, como o reggae Zoio de Lula, primeiro single da história da banda a atingir o primeiro lugar nas rádios do país. A canção foi indicada a duas categorias no prêmio mais importante da época, o Video Music Brasil (VMB), da antiga MTV: Melhor Videoclipe de Rock e Escolha da Audiência, em 1999.
Não Deixe o Mar te Engolir também fez grande sucesso, contabilizando 30 semanas na parada Hot 100 da revista Billboard no Brasil. No ano de 2000, essa música levou o Charlie Brown Jr. novamente ao VMB, sendo indicados nas categorias Melhor Videoclipe de Rock e Melhor Animação de Videoclipe.
Relacionamento com Grazon: ela é guerreira, ela é uma deusa, ela é mulher de verdade

Paralelo ao sucesso da banda, Chorão vivia um relacionamento digno de roteiro de novela. A estilista Graziela Gonçalves, apelidada Grazon pelo próprio, foi o grande amor da vida dele. Diversas músicas que foram sucesso do Charlie Brown Jr. foram inspiradas nela. Proibida Pra Mim, inclusive, leva “(Grazon)” no nome.
Ela Vai Voltar também é feita para a amada. Em entrevista ao programa Altas Horas da Rede Globo em 2012, “Alê”, como Graziela o chamava, se declarou para ela contando aos fãs o porquê compôs a música que embalou muitos outros relacionamentos pelo país. “Ela é sem dúvida minha musa inspiradora ao longo de todos esses anos. Acho que a letra é bem fiel ao que ela vive e a personalidade que ela tem.”
A intensidade do relacionamento transbordava e respingava também na vida profissional de Chorão. Grazon começou a trabalhar com a banda, cuidava da agenda de shows, se relacionava com empresários, monitorava o site oficial do grupo e respondia e-mails de fãs. A forte convivência aumentava o amor, o casal parecia viver os melhores momentos de suas vidas juntos, como marido e mulher e como colegas de trabalho que ralavam duro para manter o sonho da “família Charlie Brown” vivo.
Mas, nem tudo eram flores. A situação se complicou quando Chorão se envolveu com drogas. Segundo Graziela, ela o controlava se o cantor tentasse usar cocaína em casa, mas ele saía para evitar ser visto nessa situação. Após o trágico falecimento do marido, Grazi também afirmou que tanto em Santos como em São Paulo, tinha “facilitadores” que alimentavam o vício que atormentou a mente brilhante do artista por muitos anos.
Em seu canal no Youtube, a estilista desabafou sobre o período de depressão que enfrentou após ficar viúva. O vídeo intitulado Meu caminho de superação após a partida do Alê (Chorão) traz a dor de Graziela nos dias que se seguiram à tragédia e sua luta para recompor a vida sem seu grande amor. Esse sofrimento originou o livro “Se Não Eu, Quem Vai Fazer Você Feliz? – Minha História de Amor com Chorão”, publicado em 2018.
"Ao voltar para casa, não conseguia tirar o cara da cabeça, aquela troca de olhares tinha mexido comigo de uma forma estranha, diferente e intensa. Tempos depois, o Alê me confessou que aquele encontro à beira-mar também teve um significado forte para ele. Eu me lembro da gente conversando sobre esse dia e ele contando que pensou: "Se ela olhou de volta, eu tenho chance." – Graziela Gonçalves, em seu livro sobre o romance com “Alê”.
A trajetória: sigo imprimindo meu sonho na história
Depois de Preço Curto, Prazo Longo, foram lançados mais 8 álbuns de estúdio: Nadando Com Os Tubarões (2000), 100% Charlie Brown Jr. - Abalando A Sua Fábrica (2001), Bocas Ordinárias (2002), Tâmo Aí Na Atividade (2004), Imunidade Musical (2005), Ritmo, Ritual e Responsa (2007), Camisa 10 (Joga Bola Até na Chuva) (2009), e o álbum póstumo como tributo a Chorão e o baixista Champignon, intitulado La Família 013 (2013).
Inúmeras músicas dessa imensa discografia foram topo das paradas e marcaram a vida de fãs ao redor do país. A jornalista Mariah Freitas sempre foi grande admiradora da banda. Natural de Ilhabela, também tinha seu “escritório na praia” na adolescência e se identificava com a vibe caiçara do Charlie Brown. As músicas que mais significam para ela são do álbum Ritmo, Ritual e Responsa: “Minhas favoritas são Senhor do Tempo (que é faixa bônus no disco, estando presente primeiramente em Imunidade Musical) e Pontes Indestrutíveis. As duas têm mensagens bem fortes na minha adolescência, é uma visão de mundo que o Chorão já tinha lá atrás e que a gente continua quase na mesma depois de tanto tempo”.
Ela conta que trabalhava como assessora de imprensa de uma marca esportiva e teve que fazer contato com o vocalista por telefone. “Eu tremia, suava, disse para meus chefes: ‘eu não vou conseguir!’, ele foi super solícito... No final, eu não aguentei e soltei a seguinte frase: ‘Chorão, eu te amo! Tic pow, tic pray!’ O pessoal que estava do lado caiu na risada.”
"Eu tenho a habilidade de fazer histórias tristes virarem melodia" – Senhor do Tempo
Para o público, tudo parecia perfeito, até brigas no grupo explodirem para o conhecimento da mídia. Elas culminaram na saída de Champignon, Thiago Castanho, Marcão e Renato Pelado – em momentos diferentes da trajetória – e novos integrantes entrando na banda: André ‘Pinguim’ Ruas, Heitor Gomes e Bruno Graveto. Ao final da história do Charlie Brown, a banda contava com quatro dos cinco integrantes originais: Chorão, Champignon, Marcão e Thiago Castanho.
Porém, na vida de Chorão, a felicidade que ele demonstrava em cima do palco, já não era constante. Em mais um relato de seu livro, Grazon expõe a situação crítica em que o compositor se encontrava. “Apesar do retorno recente e bem-sucedido da formação antiga do Charlie Brown Jr. (depois de uma briga que se tornou pública), com uma agenda cheia de shows para cumprir, o estado de espírito dele era de insatisfação permanente.”
A dependência química, a depressão e a falta de perspectiva de futuro acabaram com a vida de Chorão da forma mais trágica possível. Na madrugada de quarta-feira, 6 de março de 2013, seu segurança e seu motorista encontraram o corpo do maior ídolo recente da história do rock brasileiro caído na cozinha. Acabava ali a jornada intensa de Alexandre. Ele finalmente saberia se é realmente azul a cor da parede da casa de Deus.
O (re)início e o fim precoce – também sou rimador, também sou da Banca
O questionamento que pairava nos fãs era: “o Charlie Brown acabou?”. De fato, não se via sentido em manter o nome sem seu principal entusiasta. Daí, surgiu A Banca, agora com Champignon nos vocais e uma nova integrante, Lena, assumindo o lendário baixo de Champ.
Apresentações em rádio e televisão voltaram a ser corriqueiras, com a intenção de enaltecer a memória de Chorão e levar as poesias cantadas ao longo dos 21 anos de estrada. A Banca fez shows marcantes, como na Virada Cultural 2013 em São Paulo e um show beneficente em prol do mantimento do Chorão Skate Park, que enfrentava problemas financeiros em agosto do mesmo ano na cidade de São Vicente (SP).
A Banca parecia o reinício ideal para a história deixada por Chorão. Porém, em setembro de 2013, seis meses após a partida dele, mais um baque assolou o país. Champignon, um dos maiores baixistas da música brasileira, dono de um enorme talento e um carisma cativante, não aguentou a pressão, a saudade e a responsabilidade. Cometeu suicídio aos 35 anos, interrompendo uma história linda e um futuro promissor como líder do grupo.

O legado – só o que é bom dura tempo o bastante pra se tornar inesquecível
O que fica é a obra irretocável que Chorão, Champignon, Marcão, Thiago, Renato, Heitor, Pinguim e Bruno deixam. É a forma como a poesia de 21 anos de carreira bate em cada um dos milhares de fãs, construindo, em múltiplas vidas, uma história diferente. Mais importante do que os detalhes informativos desse especial, é ecoar a memória e as marcas da arte produzida pelo Charlie Brown Jr. no coração de seus ouvintes, como pode ser visto nos relatos que vêm a seguir.
Eduardo Wenter é estudante de publicidade e propaganda e nasceu em Santos (SP). Para ele, Chorão deixou nesse plano não só suas músicas, mas o orgulho de sua origem. “Acredito que o Charlie Brown Jr. foi fundamental na formação da minha identidade como santista, ser santista para o Chorão era tema de sua inspiração tanto ao citar bairros quanto em enfatizar o fato que era santista. Essa última parte refletiu em mim, lembro de ter orgulho da minha cidade e gostar muito de viver em Santos, com certeza um fragmento dessa minha postura era espelhada na dele.”
Ele conta que o Chorão Skate Park, sonho que o Marginal Alado teve a felicidade de realizar, não existe mais. O complexo teve de fechar as portas devido aos problemas financeiros já citados. “Trocaram o nome da Pista do Emissário (pista de skate pública em Santos) para Alexandre Magno Abrão em sua homenagem, mas para muitos soou como uma forma de “controle de dano”, já que o espaço fechado era propriedade privada e possivelmente os órgãos municipais não viram muito valor em preservá-lo.”

A estudante de fisioterapia Laura Schüller declara, emocionada, que sua adolescência foi marcada pela banda. “Eu era nova, tinha uns 11 anos quando conheci Charlie Brown Jr. O primeiro disco que ouvi foi Imunidade Musical, fiquei viciada em Dias de Luta, Dias de Glória. Para mim, significa o que é a vida. Pode parecer clichê, mas para mim eles representam as fases da vida e como o que é mais forte e importante sempre prevalece. Mesmo com as brigas, eles se reconciliaram e mostraram que ninguém é perfeito, todo mundo tinha sua cicatriz.”
“Charlie Brown é minha vida, é minha alma.” Lucas Fonseca explica que não só admira a banda, mas se inspira neles. Em Salvador, onde mora, o operador de atendimento tem um grupo musical baseado nos meninos de Santos. “Eu quero que minha banda seja o pós Charlie Brown. O Chorão é o irmão mais velho que eu não tive.”
"Tive um sonho com meu ídolo, que significou muito na minha vida. Eu faço um som e fica sempre aquela afobação: 'pô, não vai dar certo! Será que meu sonho é possível?', fui dormir pensando nisso e sonhei que encontrava com o Chorão. Ele sentava do meu lado, tocava o meu ombro, e dizia: 'calma, moleque! Tudo tem seu tempo.' Acordei paralisado", Lucas diz, com a voz embargada.
Para a odontologista Marina Albignente, é uma frustração muito grande não ter podido vivenciar um show ao vivo do grupo, que ela diz ser como um amuleto para ela. “Quando vi a notícia da morte do Chorão fiquei arrasada, tive a sensação de que teria para sempre um sonho não realizado na minha vida.” Ela aproveita para imaginar o que diria ao ídolo hoje, se tivesse oportunidade: “Diria para se cuidar e sair dessa vida que levou ele ao fim. Ele teria um futuro incrível e tem muita gente que o ama e o admira até hoje.”

Mesmo após todos esses anos, a trajetória do grupo movimenta fãs. Carlos Lamarca mantém um fã-clube chamado “Chorão Fãs”, que acumula quase 200 mil seguidores no Instagram e mais de 1 milhão no Facebook. “Charlie Brown significa muito para mim, eles estiveram presentes em várias fases da minha vida, já dediquei músicas para a namorada, já usei músicas como desabafo, e trecho de frases para dizer algo. Fazem parte da minha vida. Hoje, com a página e os milhões de seguidores, vou levar o legado aonde eu for.”
“Se for pra falar de algo bom, sempre vou lembrar de você”. O próprio Chorão cantou isso, em Uma Criança Com Seu Olhar, mas é um perfeito resumo do que todos que admiram a ele e seu fiel companheiro Champignon sentem. Foi uma bela história. Vamos viver, que um dia a gente se encontra.
Arrepiei na parte "agora ele saberia se a parede de Deus é pintada da cor azul". Escrita muito gostosa de ler e cheio de informações que nem sobre a banda.